Texto da ficha: “A herança de Rivail e dos personagens importantes do movimento espírita do final do século XIX está presente no trabalho educacional de Eurípedes Barsanulfo. A atitude dos espíritas franceses, de militância em favor da educação, também se desenvolveu no Brasil, ao longo do século XX. Entre as propostas e posições de vanguarda em termos educacionais, podemos citar aquelas figuras que se entregaram com mais ardor à questão da educação e abordar traços comuns em suas experiências. Em geral defendem a escola gratuita, lutando quando necessário e possível pela escola pública. No início do século podemos lembrar Anália Franco, militante espírita, contemporânea de Eurípedes. Ela também teve uma proposta muito engajada socialmente, começando sua obra por acolher e educar crianças negras, marginalizadas, quando da Lei do Ventre e depois da Abolição “(p.105). “Quanto à pedagogia espírita, praticada por Anália de forma não-elitista e socialmente engajada, também foi continuada por um discípulo seu e de Eurípedes, Tomás Novelino, que manteve com uma Fundação, o educandário Pestalozzi, oferecendo lar-escola a cerca de 3000 alunos, durante 50 anos, na cidade de Franca (SP)” (p.105-106) Entre as décadas de 60 e 70, tivemos a atuação do jornalista, professor e filósofo Herculano Pires que defendeu a escola pública, laica e gratuita, quando dos intrincados debates sobre o assunto. Assumiu uma postura de oposição aos que defendiam mais privilégios para as escolas particulares e confessionais “(p.106). “Outro nome que deve ser mencionado é o do professor Ney Lobo, na mesma época da luta de Herculano Pires, dirigiu uma experiência escolar, mantida pela Federação Espírita do Paraná, realizando com as crianças uma prática educacional muito interessante, criando uma cidade mirim em que as crianças elegiam seus prefeitos, interagiam na cidade de forma participativa, orientando a educação para a democracia” (p.106-107). No entanto, o ponto alto do desenvolvimento de uma educação espírita, foi justamente seu início, na primeira década do século XX, quando o educador mineiro atua como vereador na Comissão de Instrução Pública e funda o primeiro colégio espírita do Brasil, Colégio Allan Kardec, em 1907. A análise dos documentos nos permitiu constatar que Eurípedes não foi um teórico da educação, mas um homem de ação. Participou diretamente na vida pública e na militância pela educação, criando, dirigindo, lecionando em escolas, entre os anos de 1900 e 1918”(p.107). “O traço distintivo da proposta de Eurípedes deve-se ao fato de “estar mais enraizada na tradição francesa, aquela mesma do século de Kardec, em que espíritas militavam socialmente, em sintonia com as doutrinas, mais progressistas a época.” Os educadores inseridos nessa corrente mais crítica é que desenvolveram trabalhos alternativos no campo educacional “(p.107). “Já desde a segunda metade do século XIX, havia debates em torno da importância da educação, dos conteúdos pedagógicos e dos métodos de ensino. A escola deveria ser gratuita, laica e obrigatória, para possibilitar o acesso a todos. Em 1874, Almeida de Oliveira, membro do partido republicano, escreve uma obra destinada a detalhar como estava a educação pública no Brasil e quais as medidas para a sua melhoria”(p.108) “Já em Minas Gerais, a influência de idéias anarquistas e socialistas foi quase ausente, dada a menor incidência de imigrantes e maior predomínio da igreja Católica, na formação do povo mineiro. Nas décadas que antecederam a República, é possível perceber que a educação fazia parte das preocupações das autoridades mineiras, colocando o esforço pela instrução pública e pela liberdade de ensino como uma atitude patriótica”(p.110). “As vanguardas republicanas se preocupavam com as mudanças escolares por causa das transformações econômicas, sociais e culturais que vinham ocorrendo no Brasil e também por colocar a escola a serviço da nova proposta burguesa de existência humana e social” (p.111-112). “Os socialistas libertários e utópicos também se preocupavam em criar uma nova educação. Segundo a concepção socialista, a educação deveria ser considerada um problema político crucial, tratava-se de ocupar o lugar que o poder hegemônico da burguesia exercia nas escolas. O ensino deveria estar a serviço das verdadeiras necessidades humanas e sociais, ser científico e levar em consideração a razão natural e não a burguesa”(p.112). “Em Minas Gerais, no período republicano, seguindo o contexto geral, apareciam as temáticas de democracia e educação, de formação e civilidade, de modernização da escola, de formação do cidadão, de defesa da escola pública e obrigatória. No entanto, como vimos, essas idéias no Estado não receberam influências anarquistas ou socialistas, vertentes de pensamento que pouco se desenvolveram em Minas, mas foram filhas do republicanismo presentes no Estado”(p.113). “Minas estava em sintonia com as concepções de uma educação que abrangesse a nação brasileira. Foi no período republicano, que nasceram as primeiras escolas urbanas em Minas. Mas nas três primeiras décadas da República, a expansão é a dos colégios particulares confessionais católicos. Podemos dizer, dentro desse contexto, que a atuação educacional de Eurípedes, até certo ponto, convergiu com os ideais de educação que figuraram entre os progressistas do seu tempo, como as socialistas e os republicanos liberais. No início de 1902, já vemos Eurípedes Barsanulfo atuando em Sacramento, lecionando no colégio Liceu Sacramentano entre os anos de 1902 e 1907, como vereador em 1902 e 1910, na câmara municipal da cidade, membro da Comissão de Instrução pública e por fim como diretor e professor do Colégio Allan Kardec entre 1907 e 1918, ano de sua morte. Embora Eurípedes se colocasse como republicano e as suas decisões como vereador em muitos momentos demonstrassem isso, não há nenhum documento que mostre qual partido representava na câmara municipal “(p.114-115) “A educação é o vetor principal das idéias de Eurípedes Barsanulfo. Alguns relatórios e vários pareceres são de sua autoria ou receberam seu endossamento. Neles, Eurípedes aponta para a necessidade de uma educação do povo com qualidade, o sustento de escolas municipais primárias; a criação de grupos escolares; a melhoria dos salários dos professores, dos prédios, dos materiais e dos métodos; de cortar as verbas que os colégios católicos recebiam dos poderes públicos [...]. Para ele, a melhoria da educação passava por uma atitude corajosa de melhorar a qualidade escolar e colocar a escola a serviço de todos” (p.116). “É preciso notar que dentro dessa concepção, Eurípedes queria que se utilizassem os recursos municipais para a construção de escolas primárias, proporcionando o ensino a todas as pessoas, principalmente aos pobres. Segundo ele, nas mudanças ocorridas na educação brasileira no transcorrer do século XIX e começo do século XX, havia uma preocupação com a educação do povo apenas por interesses políticos. As autoridades políticas precisavam deixar de lado apenas o discurso em favor da educação popular para realmente disponibilizarem os recursos necessários para a sua expansão. A educação do povo precisava sair da teoria” (116). “Para Eurípedes, não se deveria investir apenas em escolas públicas primárias, mas também considerava importante a subvenção de colégios secundários. Assim, em Sacramento, foram construídos dois colégios secundários públicos, embora poucas sejam as informações sobre esses colégios, pois não temos a data de seu início, não sabemos quem eram seus professores, nem como funcionavam. Apenas sabemos que havia verbas destinadas a esses dois colégios, conforme aparece descrito nas Atas do ano de 1908” (p.120) “Mas apesar do relatório favorável à escola isolada, embora o inspetor cão elogie tanto as outras escolas municipais de Sacramento, durante a Primeira República, muitos teóricos, políticos, inspetores brasileiros começaram a mostrar o problema das escolas isoladas, com um professor numa classe de variadas idade. [...] Os grupos escolares representavam instituições mais inovadoras em termos de educação primária, significando um rompimento definitivo com a escola tradicional e arcaica, herdeira do Império que era a escola isolada” (p.121). “As transformações não eram sustentadas apenas por inspetores como Estevam de Oliveira, mas por políticos, teóricos e autoridades republicanas que queriam integrar o povo à nação e ao mercado de trabalho capitalista como vinha se organizando no Brasil e em Minas. O grupo escolar significava a mudança, o progresso, a racionalidade, na educação. As propostas de mudança da educação estão contidas no relatório de 1903, o texto se configura como um verdadeiro remodelamento da Instrução Pública em Minas Gerais da época”(p.122). “Sem dúvida, nesses anos de início de século vemos realmente uma época de insistente busca por mudanças no campo da educação em Minas Gerais. As lideranças do Estado com seu impulso reformista não se conformavam com a insuficiência das escolas primárias” (p.124). “As alterações atingiriam os métodos de ensino, o currículo, a disciplina escolar e a fiscalização do ensino. O governo teria o compromisso de cuidar de casas escolares apropriadas e do mobiliário para o bom funcionamento das escolas. Nesse texto há clara ressonância de idéias rousseaunianas e pestalozzianas: “a verdadeira educação consiste menos em preceitos do que em exercícios. Começamos a nos instruir, começando a viver. ”(p.125). “Para Eurípedes, pelo menos até onde foi possível verificar, o grupo escolar significava por um lado o fortalecimento da instrução pública e por outro uma qualidade maior para o sistema educacional. Tinha a preocupação de levar ao povo de Sacramento aquilo que existia de melhor em termos educacionais. O que ele menos queria era o crescimento das escolas católicas, nesse caso o grupo escolar seria uma boa possibilidade de enfraquecer a educação católica. Entretanto, não estava nos seus planos acabar com as escolas isoladas, como queriam governantes da época” (p.126). “Num documento assinado por Eurípedes Barsanulfo, C. Oliveira e Júlio da silva, em 16 de setembro de 1908, vemos uma defesa feita por esses vereadores por um grupo escolar em Sacramento. Nesse documento, traça-se inclusive uma argumentação, mostrando a necessidade do fortalecimento e crescimento da instrução pública, laica e gratuita. No texto, os autores reclamam das dificuldades encontradas para atrair investimentos estaduais para Sacramento quando se tratava da construção do grupo escolar estadual” (p.126). “O apoio de Eurípedes à implantação do grupo estava dentro da sua iniciativa em defesa da expansão da escola pública, pois a educação tinha que sair das mãos da Igreja. Lutava por um espaço escolar que respeitasse a liberdade de consciência, e para isso, a hegemonia católica na educação precisaria ser quebrada. A ingerência da Igreja católica na educação formatava as mentes dos cidadãos para que vivessem no mundo segundo os seus princípios” (p.127). “Tanto em Sacramento quanto em outros municípios mineiros, a igreja católica monopolizava o ensino. Para Eurípedes, a expansão do ensino confessional católico significava um absurdo num Estado republicano. Defende claramente os ideais de liberdade de consciência e do pluralismo ideológico. Em seus poucos escritos denunciou os prejuízos da pedagogia católica e do seu ensino catequético. Mais do que qualquer outro vereador de Sacramento, promoveu críticas aos colégios católicos subvencionados pela Câmara municipal da cidade” (p.128). “Lê-se no texto assinado por Eurípedes: “Não podendo manter relações de dependência ou aliança com cultos religiosos, quaisquer que sejam, quer o Governo da União, Estado ou município, em virtude do disposto no artigo setenta e dois parágrafos sétimo da lei básica, à câmara por isso é vedado conceber verbas que resultem na construção de casas para colégios e conventos. A comissão opina portanto para que se indefira tal requerimento, visto não poder a municipalidade ir de encontro às leis constituídas da federação.”(p.129). “O documento endossado por Eurípedes não foi aceito em votação, os outros membros da câmara não aceitaram a argumentação, mas recomendaram que se arquivasse o pedido até que fosse votado o projeto de orçamento. [...] Entre os anos de 1906 e 1910, Eurípedes esteve ligado a projetos de enfraquecimento da educação católica e fortalecimento da instrução pública. Sempre justificava seu modo de proceder defendendo a idéia de que as verbas municipais deveriam ser destinadas ao ensino republicano leigo, gratuito e para todos.[...] Os colégios católicos continuaram a receber subvenção do município”(p.130). “Tratou também de promover e desenvolver mudanças pedagógicas e didáticas. Não adiantariam apenas escolas para todos, era necessária também uma nova proposta pedagógica. Por isso, defendeu a idéia de uma educação integral, com o desenvolvimento simultâneo dos aspectos morais, intelectuais e físicos. Posicionou-se a favor da educação ativa, do respeito às fases do desenvolvimento da criança, da abolição de castigos e recompensas, da valorização da infância, da formação de professores. Sendo assim, a voz de Eurípedes parece estar mais de acordo com as novas vozes pedagógicas que ganhavam eco no Brasil” (p.131). |